Consultório de Hipnoterapia

Av Pref Osmar Cunha 183, sala 606.Bloco A. Edificio Ceisa Center. Centro. Florianópolis.
www.facebook.com/osmyparapsicologia
48-98641601
48-99028539

osmyfig@gmail.com

Alucinações do passado

24/11/2012 11:12

 

Pesadelos reais (Alucinações do Passado)

Ricardo Kelmer 2002

A realidade, em si, não existe – o que existe é nossa interação com ela

.

Jacob Singer é um veterano da guerra do Vietnam que de repente se vê atormentado por estranhas visões e ideias de perseguição e morte. Fatos inexplicáveis se sucedem e sua noção de realidade se fragiliza. O casamento desfeito, a culpa pela morte do filho e a suspeita de ser vítima de uma incrível conspiração o levam ao limite da sanidade e sua vida se torna um pesadelo insuportável. Tudo que Jacob deseja é um pouco de paz mas para isso terá que descer ainda mais as escadas de seu inferno.

Alucinações do Passado é um grande filme e mostra que o inferno existe, sim, mas que ele não tem de ser um lugar cheio de chamas e diabos cruéis. O inferno pode ser aqui e agora e acontece quando nos apegamos demasiadamente a ideias ou comportamentos que não são mais úteis ao crescimento pessoal. Desse modo obstruímos o fluxo natural da vida a tal ponto que ela apodrece dentro de nós e viver se torna um pesadelo real.

O magistral roteiro do filme prende a atenção desde o início e não permite que compreendamos toda a história antes da sequência final. Somente então é que entendemos que Jacob embarcara para o Vietnam afetado por sua imensa culpa pela morte do filho. Lá, ferido mortalmente, sua consciência o transporta para uma realidade onde ele segue normalmente vivendo sua vida após retornar da guerra, com a namorada Jeze e o emprego de carteiro. É como se sua própria psique, através de um providencial mecanismo de autocura, houvesse criado essa realidade para que ele se libertasse da culpa que ainda carrega e assim pudesse voltar a seu corpo agonizante no Vietnam e finalmente morrer em paz.

A tarefa, porém, não vai ser fácil. Por que haveria de ser? Essa nova realidade em que Jacob é inserido mostra-se um confuso e perigoso labirinto onde ele tem frequentes pesadelos com o Vietnam, é envolvido numa conspiração assassina e chega a sonhar um sonho dentro do sonho, o que o deixa à beira da loucura. No auge do sofrimento, sem saber mais a que apelar para entender o que acontece, Jacob segue seu terapeuta que o aconselha a se desapegar daquilo que ainda o prende ao inferno em que vive. Ele então se dirige ao prédio onde morava com a ex-mulher e os filhos e lá, entre recordações de um tempo feliz, dorme para no outro dia despertar finalmente livre da culpa e subir a escada de sua tão buscada salvação.

No início do século 20 os físicos quânticos desconcertaram o meio científico ao relatarem suas experiências com as partículas subatômicas. Estudando-as minuciosamente, perceberam que o simples ato de observá-las já alterava seu comportamento. Isso os levou à inquietante conclusão que a realidade, em si, não existe – o que existe é nossa interação com ela.

Pois bem. O que mais me tocou em Alucinações do Passado foi ver em ação, ainda que numa obra de ficção, essa incrível possibilidade. A realidade em que Jacob vive após ser ferido no Vietnam só existe porque ele, inconscientemente, a criou através da projeção mental de sua imensa culpa. Essa tal realidade não deve ser entendida como mera alucinação apenas porque é criação de sua mente. Na verdade toda realidade é criação mental, algumas individuais, outras coletivas. A realidade para a qual a psique de Jacob o encaminha com o objetivo de curá-lo é tão real quanto a realidade do Vietnam – mas só existirá enquanto ele não se conciliar com seu passado.

A realidade não é algo que existe lá fora, separado de nós, que podemos observar à distância, analisar com frieza e entender como funciona. Infelizmente não é tão simples assim. O sagrado princípio científico da isenção e neutralidade nos serve para entender certos aspectos da realidade, sim, mas se quisermos compreendê-la mais profundamente, teremos sempre que considerar nossa interação com ela, teremos que nos implicar, o que faz com que nossa percepção da realidade tenha papel fundamental para definir o que ela de fato é.

Sei que isso é confuso. Os próprios cientistas ainda não conseguem lidar muito bem com tais constatações. Mas disso tudo podemos extrair coisas úteis. Podemos, por exemplo, nos esforçar para compreender a vida sem o peso de velhos bloqueios e culpas, afinal eles influenciam no modo como a realidade se apresenta a nós. Podemos ficar mais atentos para não permitir que, assim como Jacob, nossa vida não se transforme num inferno real, criado exatamente por ideias, sentimentos e atitudes aos quais nos apegamos mais que deveríamos.

Porém, se infelizmente nossas culpas já permitiram ao inferno se instalar em nossas vidas, então só nos resta uma saída se quisermos realmente escapar dele: localizar as culpas e fazer as pazes com nós mesmos. Assim como a física quântica já provou em seus laboratórios, tudo que precisamos para transformar a realidade é mudar a nós próprios.

.

Ricardo Kelmer – blogdokelmer.wordpress.com

.

> Este texto integra o livro A Arte Zen de Tanger Caranguejos

.