Consultório de Hipnoterapia

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Textos

 

 

O Vendedor de Flores e a Linha do Equador

Texto: Osmy Figueiredo Jr 

 

    Sigo em frente, cansado de  buscar soluções para meu desconforto profissional. Brevemente, vou contar-lhes uma estória. Em primeira questão, digo-lhes que nunca fui feliz em minhas escolhas profissionais. Nem mesmo nas sociais. Parece que neste mundo, uma coisa puxa a outra... Formado na melhor universidade do país, em curso de destaque, também com mestrado na área. Hum, parece um currículo invejável, digno de um “vencedor”. Tentei por muitas vezes o ingresso em empresas de renome, em cargos imponentes. Tive êxito algumas vezes. Engravatei-me, sentei atrás de uma mesa de madeira brilhante, com direito a secretária e tudo mais. Salário pomposo e oportunidade de viajar pelo país. Receitinha de bolo que, se postada na internet, uauuu, teria milhões de acessos e adeptos seguidores. Mas, eu não conseguia ser feliz, ia trabalhar triste. Sempre querendo estar em outros lugares e fazendo outras coisas. Cheguei à conclusão de que me formara em algo que satisfez muitas pessoas, menos a mim mesmo. Minhas segundas-feiras ficaram cada vez mais cinzas. Meus domingos se esvaíam como água fervente. Meus sábados tentavam colorir minha estrada, mas perdiam-se nas insatisfações pessoais. E o que dizer de minhas terças até sextas? Elas apenas aguardavam ansiosas pelos sábados, domingos, segundas... Eu tinha tudo pra ser feliz e tinha nada entre as mãos. Os dias passavam e traziam consigo um toque de pânico em minha mente, medo de seguir em frente sem saber que caminho trilhar. E realmente o pânico chegou. Veio como mestre, senhor, indicando posturas, impondo trajetos, enfim, fazendo-me um inquilino de meu próprio corpo. E o castelo começou a ruir. Projetos de vida a despencar. Do auge de meus 30 e poucos anos, escorregar ladeira abaixo parecia um filme de terror. Da mesa brilhante, saltei direto para uma cama isolada em um quarto, que insistia em ser lúgubre e úmido. Todo meu mundo restringia-se agora a este quarto. Transpor sua porta era tarefa enorme demais, o mundo lá fora queria me engolir. Meses passaram e depois de inúmeras excursões para consultórios médicos e salas de exames, eu tive um sonho. Um sonho brilhante feito aquela mesa do meu escritório. Um sonho real. Algo que me puxava para dentro de mim. Eu ia me retorcendo todo e minha boca parecia estar engolindo a mim mesmo. Eu me vi entrando por um tubo extenso, escuro. Mas ali encontrei algo que há tempos já não tinha mais – paz. Podia ouvir meu coração bater, podia ouvir meus pensamentos e, interessante, não precisava mais responder a eles. Iniciei então esta viagem por dentro de mim. Percorri órgãos,  acariciei-me, deslumbrei-me com a beleza de tudo. Pela primeira vez na vida, pude saber a tradução exata da palavra serenidade. Resumindo, percebi estar bem próximo ao coração quando uma luz forte apareceu em minha frente. Pude ver que estava entrando num órgão esquisito (o timo), fincado entre as costelas e o coração, bem no meio do peito. A luz pulsava calmamente e me conduzia a um estado de satisfação pleno, quando então pude nitidamente perceber que alguém se postava a minha frente. Alguém lindo, belo, sereno, divino. Chegou perto de meu ouvido e sussurrou – “busque algo para fazer que o transporte todos os dias para este estado de agora; e também fixe um desejo a perseguir. Desaproximou-se dizendo – seja feliz”!  De pronto, senti-me de volta ao quarto. As palavras ouvidas, então, borbulhavam em minha mente. Achei por bem seguir tal conselho. Quanto a fixar um desejo, meu desejo maior até então era cruzar a linha do equador. Pois bem, esse seria meu desejo fixo a partir de então. Quanto a fazer o que me deixasse feliz, sempre “invejei” aqueles vendedores de flores, que montam uma banquinha numa esquina qualquer. Ótimo, passaria a ser um deles. A linha do equador era um marco de liberdade e ultrapassá-la traria Felicidade . Para mim, nada representa melhor a beleza e a paz do que um belo ramo de flores do campo. E ofertar beleza e paz a alguém é substancial. Foi uma mudança drástica. Escrevi num pedaço de papel meu maior desejo e montei uma linda banca de flores numa esquina de movimento. E comecei a ser feliz. Cada valor que recebia, parte dele eu juntava ao pedaço de papel. Sentia-me bem a cada ramalhete que vendia, pois sabia que ele seria o porta-voz de um agradecimento especial, de um pedido importante, de uma comemoração ou de uma reconciliação. Tornava-me importante, abrindo portas a tão importantes ocasiões. Eu vendia felicidade. E vendia amor. Tudo embutido na singeleza de uma flor. Pois uma flor além de bela, cheirosa, traz consigo o ninho da fecundação, da vida. Eu, então, vendia vida! Os dias da semana ficaram dourados. O por quê das coisas tinha agora um porque. Vender felicidade só pode trazer de volta, felicidade. Com meus cálculos, em uns cinco anos já conseguiria juntar dinheiro suficiente pra cruzar a linha. Realizar meu sonho vendendo sonhos a alguém!!! Tudo estava perfeito, e tão simplesmente perfeito. Mas, como tudo parece ser real e não é, algum tempo depois, deparei-me, num só dia, num mesmo dia, com uma sequência de fatos que transformou de novo minha vida. Era por volta de 22 horas de uma segunda-feira. Parou um belo carro importado em frente a minha banquinha. Um belo casal, uma mulher bonita e jovem e um homem trajado de gravata e terno; foi o que vi pela janela. Logo pensei, ele deve comprar flores e pedir-lhe a mão em casamento.... O homem desceu do carro,  aproximou-se e pediu um ramalhete de rosas vermelhas. Pagou e entrou no carro novamente. Percebi, mesmo de vidros fechados e para minha estranheza, que havia uma forte discussão entre o casal. Não demorou muito, a porta se abriu, a bela mulher saiu do carro e começou a caminhar na calçada. O carro, por sua vez, começou a andar ao lado dela e .....  - o frio da noite fez soar um estampido alto e seco, um tiro a queima-roupas. Ela caiu e ele saiu em disparada. No chão, um corpo com um ramalhete de rosas vermelhas ainda nas mãos. Desde aquela noite, minhas segundas voltaram a não ter mais sentido. Eu havia vendido violência, desamor. Vendi rosas vermelhas tão vermelhas quanto ao sangue escorrido pelo chão. Meu norte havia desabado, trazendo com ele pedaços cortados da linha do equador. Duas segundas após, de novo fui recebido pelo meu quarto escuro. O vermelho não me saía da mente. Uma dor forte no peito chegou. – Não, tudo de novo, não.... Mas então, uma voz leve, aquela de tempos atrás, começou a falar comigo  –   E então caro amigo, vejo que você seguiu meus conselhos. Mudou de vida, foi atrás de seu sonho. Foi atrás de ser feliz. E por que está assim tão triste agora? De pronto e rispidamente, respondi ironicamente – você que tudo vê e até vê meu interior, não viu o ocorrido em frente à minha banca de flores? A voz respondeu – claro que vi, acho que quem não viu foi você. Veja bem, disse a voz, você acha que ao vender flores estará vendendo felicidade? A pureza de uma flor, seu encanto, singeleza, tudo se perde quando ela é comercializada. A pureza e tudo mais, só se perpetuam quando esta flor está em seu ninho, em seu habitat, na natureza. Você não vendia flores, irmão, você vendia atitudes humanas. Se quisesse realmente vender flores com suas singelezas, deveria vender, talvez, um livro, que ensinasse a planta-las, a rega-las, perpetua-las. Se quisesse realmente vender amor, venderia ensinamentos, ajuda-mútua, abnegação, companheirismo, fidelidade. E sabe como? Contando a cada pessoa que encontrasse, o que se passou com você. Ensinando-as a conversar com seu interior. Ou pensa que sou outro alguém? Eu sou seu interior, camarada, sua essência divina, seu self. Você veio a mim pelo sofrimento, mas não precisa ser sempre assim. Às segundas-feiras, já bem pela manhã, plante uma flor, regue-a com um sorriso, aqueça-a com seu calor e verá que agora sim, você venderá pureza, singeleza, amor. Eu, atordoado ainda, perguntei – mas e meu desejo de cruzar a linha do equador, como ficará? A voz disse, em tom forte – você já cruzou esta linha. Lembre-se do dia em que pareceu ser engolido por você mesmo. Quando você, lá dentro de seu interior, escutou a mim, ou seja, a você mesmo, aí você cruzou a linha – e pode cruzá-la novamente sempre que acordar para a vida. Você concedeu este sonho a você. Que tal agora cruzar a linha do polo ártico? 

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O Jovem que queria ser Velho

 

Texto: Osmy Figueiredo Jr 

 

 

     Cheguei aos meus 30 anos. Até então experimentei todos os fazeres e desfazeres que a vida selecionara para um jovem de minha idade. Foi dado a mim o direito de brincar, de desiludir, de desrespeitar, de trair, de sorrir, de caminhar. Menos o de sonhar. Sonhar, mas para quê? Quando tinha 5 anos de idade, parecia que sonhar era coisa para gente velha. Era mais divertido viver, já  que o mundo se coloria em mil e uma faces a cada amanhecer. Queria crer que só se sonha com algo que ainda não se tem; e eu tinha tudo. Hoje entendo o sentido da palavra sonho. Dizem que só os brasileiros conhecem a tradução da palavra saudade, mas acho que esta tradução, pelo menos a mais fiel é sonho. Quem sonha tem saudade. Saudade de algo que ainda não tem, ou do que já teve e não tem mais. E, aos 5 anos, eu não queria ter nada mais do que já tinha. A não ser uma bola nova, ou quem sabe, patins. Mas posso dizer que nunca tive saudade de uma bola nem de patins... E também, não havia saudade de algo que já não tinha mais. Tudo o que sempre tive, sempre insistiu em me acompanhar, pois nada era meu e sim da vida, e eu gostava disso. Hoje aos 30, puxa vida, que saudade dos meus 5. Quanta vontade de voltar a viver cada dia, brincando, desiludindo, desrespeitando, traindo, sorrindo, enfim caminhando. Já disse Osho que, se você quer parar de viver, tenha algum tipo de certeza e domínio sobre sua vida. E dos 5 aos 30, quem passou a brincar comigo foi ela. Ela me desiludia, me desrespeitava, traía, e eu tentava continuar sorrindo e caminhando. Pude me encher de orgulho, de pompa. Pude até presenciar algo que mesmo hoje me causa um certo asco. Conto-lhes agora, sintetizando: certo dia, sentado em uma mesa de um restaurante, próximo a um hospital, me deparei com este fato – sabedor de que na faculdade de medicina os professores “tentam” ensinar a importância de tratar pessoas com humildade e abnegação, nas diretrizes de Hipócrates; e de que os estudantes levam anos e mais anos de curso para daí sim praticar tal princípio – presenciei todos estes estudantes, em grupo, saírem do hospital para almoçar no restaurante da esquina - poderiam esquecer até a carteira com dinheiro para pagar a conta; porém não se esqueceram de ostentar seus brilhantes estetoscópios pairados sobre seus ombros – claro, todos deveriam ter que saber que eram estudantes de medicina e por questão, melhores e mais sábios cidadãos do que os demais. Será que eles iriam fazer uma consulta com pessoas na hora do almoço, na mesa do restaurante? Entendem agora o sentido da palavra sonho? Todos eles sonhavam com algo que ainda não tinham – status social, e também com algo que já tiveram – autonomia pessoal. E se sonham, é porque estão dormindo. Totalmente imunes às peripécias da vida, às imperfeiçoes, às perturbações, medos, mazelas. Dormem, sonham, com isso tentando ter domínio sobre sua vida, sobre seu caminho. E eu não fugi a regra. Quis dominar o mundo, mudá-lo, com minhas arrogâncias e planejamentos. Estudei tanto e depois de agora só há um cargo que me apeteça – o de diretor. Diretor de minha existência. “Eu escrevo meu caminho”. “Só eu posso mudá-lo”! E foi esta autoconfiança soberba, que trouxe até mim, desilusões, desrespeitos. Comecei a perceber, certo dia, sentado sob a sombra de um ipê, totalmente florido em amarelo, que meu domínio sobre a vida estava me traindo. Observei um velho senhor que brincava com um garotinho. Deviam ser avô e neto. Ele aparentava ter uns 75 anos e seu neto, 5. Era fim de tarde e me postei ali para planejar uma festa de aniversário - meus 30 anos. E teria que ser imponente, traduzinho toda a minha ascensão social conquistada. Já estava, enfim, chegando perto do meu primeiro milhão acumulado. E tão novo! Um milhão de razões então para comemorar. Voltando ao velho, pude perceber que já não era mais tão flexível, mas para meu espanto, se jogava ao chão em cambalhotas, junto com seu neto. A tarde finalizara um dia de chuva e a grama ainda estava molhada e enlameada. O netinho estampava um sorriso transcendente de alegria e o avô, exibia na face, serenidade e sabedoria. Roupa e corpo sujos, também! Perguntei a mim mesmo se eu, algum dia, pelo menos após os meus 5 anos , havia brincado assim com tamanha felicidade, sem me importar com nada e com ninguém. Claro que a resposta foi não – e o que os outros iriam pensar? Nesta hora, um vento forte tomou conta do parque. Sobre mim, começaram a despencar centenas de flores amarelas. E de repente, a saudade chegou. Saudade de algo que já não tinha. Saudade de voltar a ter 5 anos. Saudade de não ter saudade nem sonhos. Mas voltar a ter 5 anos seria impossível. Saudade então de voar direto para os 75. Saudade de ser velho. Saudade de brincar, de desiludir, de desrespeitar, de trair, de sorrir, de caminhar. A partir de então, comecei a envelhecer, dia após dia. Sem sonhar. Apenas deixando a vida fluir, bailando leve no ar, como as flores amarelas que caíam sobre minha face.

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